sábado, 6 de dezembro de 2008

Andrea

Busca
É possível acreditar em vilões naturais que se transformam em delicados sofredores. Claro que não, não existem vilões.Carlo buscava lábios que esquentassem os seus. Buscava um coração que acariciasse o seu. Por isso, Carlo criou vários amores, vários romances. E buscou em vários rostos os lábios que esquentassem os seus. Os corações que acariciassem. O sexo que lhe abraçasse.Enfim, Carlo era solitário e fingidor.Nunca havia amado ao certo ninguém. Nunca sequer havia derramado uma lágrima por alguma alma viva. Era frio por dentro. Era frio por fora. Era frio.Não pensem, porém, que era má pessoa. Contribuía com seu respeito e atenção àqueles que, de alguma forma, lhe agradavam.Tantas vezes fingiu a namorada seu paradeiro. Era inevitável, saiu-lhe de sua boca, transbordando, sem que lhe fosse pensado. E tudo que mentia soava razoável, enquanto a mente fugaz encontrava pontos onde suas mentiras podiam romper. Porém nunca encontrava. Mas essa não é a história das mentiras de Carlo.É a história do amor de Carlo.Mas também é necessário informar sobre as mentiras, deve estar pensando. Claro que é. Quer saber mais? Se eu não tivesse lhe dito das mentiras, você não entenderia o real motivo da história ser triste. Claro porquê é uma historia, das mais triste que já contei. É triste porque é real.Continuaremos as mentiras, depois prosseguirei para o amor.Carlo já fingiu chorar ao telefone com sua namorada. E assim que desligava, após longas horas chorando, levantava o rosto como se nada havia acontecido, e soltava aquela risada, cuja reverberação soava no coração de paredes sombrias que pertencia a Carlo. Mas não era porque queria, era apenas um instinto.Já fora muito maltratado no “amor”, mesmo que o fingido.A primeira garota amada se fora. A segunda garota virara-lhe o rosto. A terceira ficara com seu melhor amigo na sua frente. A quarta terminou porque descobriu que amava garotas. Fora o cumulo. Naquela pequena mente sombria e perversa surgia os detalhes de um novo plano de sedução, enquanto suas mentiras continuavam a surgir.Havia acabado de terminar com uma das garotas com a qual estava, pois outra já lhe enchia de vontade. Nem terminara de almoçar e já pedia a sobremesa. Não que fosse apressado, mas sempre que buscava o melhor.Sempre se corrompendo mais.Foi quando surgiu.Descia levemente as escadas, como se flutuasse. Era apenas um brilho prateado que vendava os olhos de Carlo, desejoso de alguém que lhe aquecesse os lábios. Mas o brilho passou direto e foi-se. Carlo sentiu suas pernas tremerem. Sua voz falhou. Seus olhos se dilataram e sua mente se clareou.Alguém havia lhe acariciado o coração. Coisa jamais feita.Não tinha mais que a sua altura. Tinha os cabelos louros e os olhos claros. Sua pele era clara como o olhar direto pro sol. Não era comum, não podia ser comum. Era mais que comum.Quando fora embora, os olhos lacrimejaram, de um ardor tão grande que não podia se imaginar. Aquilo havia iludido o pobre Carlo de tal forma que não agüentava mais em pé.Assim, chegara em casa, na quarta-feira chuvosa, onde se deitara pensando no brilho. Sonhara com o brilho. Acordara pensando no brilho.Mas o brilho não estava lá.Quinta-feira fazia algum frio. A chuva não tinha feito estrago nenhum. Mas o coração acariciado parecia destruído tamanha quantidade de coisas que lhe revestia as paredes. A reverberação do som era mais alegre, mais explicita. Mais juvenil. Ele voltara a viver. E se sentia amar pela primeira vez.Pode parecer: ‘que estúpida história, gosta de alguém que nem sequer sabe o nome’. Ai que tu se engana.Carlo conhecia a figura. Freqüentava os mesmo bares e as mesmas livrarias que o brilho. Mesmo que o brilho não se desse conta disso Carlo sabia até o nome do brilho. Andrea.Mas Carlo não fazia idéia se Andrea o conhecia também.Enfim, Carlo, naquela quinta-feira triste decidiu falar com Andrea. Sabia que encontraria no cursinho, ao passar por aquele longo corredor de paredes frias, cujas janelas estava sempre fechadas. Porém, Andrea teria prova, e Carlo ouviu ao passar pelo corredor, tentando ver novamente o brilho. Assim, Andrea estava com muitos colegas de classe envolta. Mas Carlo passou umas seis vezes pelo lugar onde ela estava.Sexta-Feira. Haveria uma festa onde os dois foram convidados. Caro esperava encontrar. Mas Andrea, com muitas faltas no cursinho, não comparecera.Passa-se o fim de semana com a angustia crescente no peito de Carlo.‘Segunda é o dia’, pensou. E foi.À noite, quando Carlo chegava, Andrea descia as mesmas escadas. Sem companhia alguma.Carlo ia passar direto, mas os lábios o puxaram na direção de Andrea. Perguntou porque não comparecera na festa. Sua resposta foi um sorriso aberto que encheu os olhos de Carlo de lágrimas. Mas as palavras daquela boca transbordaram belamente, fazendo surgir o som. Amigos não iriam, estouro de faltas no cursinho.Carlo tinha de estender o assunto. Disse que não fora legal, se tratando de uma festa promovida pelo Al, amigo comum de ambos. A festa fora uma porcaria porque Andrea não estava.Perguntou, então, a qual carreira queria Andrea seguir, para estar no cursinho. Outro sorriso, uma levantada de pé. Movimentos belos da boca soltaram as palavras. Exatas!Carlo percebeu que Andrea não se sentia tão a vontade, então se despediu do brilho e subiu as escadas, enquanto Andrea descia as outras.A afobação fora tanta que não parava de tremer durante a noite toda. Sentia-se quente. Sentia-se feliz. Ele se sentia tocado. Mas não falara o que queria para Andrea.Naquela mesma noite, Carlo, na frente de seu computador, encontrara Andrea no famoso site de relacionamentos. Não resistiu e convidou-lhe a participar da sua rede. ‘Que idiota. Enfiar o orkut no meio da história’ Era necessário.Seus gostos eram bem semelhantes. Suas mãos tremiam freneticamente ao ritmo imaginário do som da biblioteca de papéis no peito de Carlo.Porém, terça-feira que destruiu o belo sonho dentro dele.Sentia-se alegre. Sentia-se bem. Sabia que a veria novamente no cursinho à noite. Mas como era junho, não lembrava que as férias chegariam tão rápida e violentamente. Por conseqüência, Andrea não fora.Isso fez Carlo vagar pensando. Quando decidiu verificar seu correio eletrônico na própria escola. ‘Claro, está aceito. Até mais ver’Foi seco. Foi duro. Foi impactante. Foi o fim pra ele.A ingenuidade e a sagacidade de interpretação de expressões fazia Carlo realmente acreditar que Andrea correspondia a seu flerte. A resposta fora totalmente rude e seca.No caminho para casa, Carlo chorava como criança. Os sons na sua orelha reboavam nas telas de vidro de seu coração quase despedaçado. Um colega, entendendo o fato, dissera para ter calma e ir devagar, pois Andrea pode realmente corresponder. Era o que precisava ouvir, mas a questão é que Carlo acreditava cegamente que Andrea iria corresponder bem diretamente. Mas não foi o que aconteceu.Na chuva, sem agasalho e solitário, Carlo descia a alameda onde todas as noites caminhava até chegar em sua casa. Tivera seu primeiro ataque nervoso em anos. Tivera isso algumas vezes na infância, mas não acontecia como aconteceu.Carlo ria e chorava ao mesmo tempo. Os fones de ouvido ressoavam uma musica de influencia hipnótica sobre o ouvinte. Aquilo tomou conta dele de tal forma que os joelhos cederam no meio do aguaceiro que a chuva causava. Era triste e sofrido. ‘Claro, está aceito. Até mais ver’. Como assim?E os meus lábios aquecidos? E o meu coração acariciado? E o meu corpo agitado?Não agüentando mais rir e chorar, Carlo se largou no chão, e por lá ficou uns dez minutos, rindo e chorando feito um louco qualquer.Como disse, essa é a historia mais triste que já contei na minha vida. Você deve pensar: ’que história mais ridícula, foi só uma frase idiota’. Mas a questão é: o coração do homem inabalável fora transformado e arrasado pelo brilho prateado que desce as escadas. Porque suas mentiras não fariam efeito em Andrea, que nem deve saber que Carlo existe, pra ser exato. Não te afeta, saber que o homem mentiroso, sedutor e frio foi atingido tão violenta e bruscamente?Pois é, essa é a historia mais triste que já contei na vida.Porque meu nome é Carlo. E hoje ainda é Terça-feira chuvosa.

Nenhum comentário: